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Trabalho de parto

1. AVALIAÇÃO INICIAL

Anamnese Obstétrica Rápida
  • Idade gestacional (DUM, ultrassom)
  • Número de gestações, partos e abortos
  • Pré-natal: número de consultas, comorbidades, sorologias
  • Movimentação fetal nas últimas 24h
  • Perda de líquido, sangramento
  • Tempo de início das contrações
Exame Físico

Sinais vitais completos:

  • PA (ambos os braços), FC, FR, Tax, SatO₂
  • Alerta para PA ≥ 140x90 mmHg

Exame obstétrico:

  • Altura uterina, situação, apresentação, posição fetal
  • BCF (normal: 110-160 bpm)
  • Dinâmica uterina (frequência, duração, intensidade)
  • Toque vaginal:
    • Dilatação cervical (cm)
    • Esvaecimento (%)
    • Posição do colo
    • Altura da apresentação (Planos de De Lee)
    • Bolsa amniótica (íntegra/rota)

Exames complementares mínimos:

  • Hemograma, tipagem sanguínea, glicemia
  • Se disponível: urocultura, VDRL, HIV, HBsAg

2. CRITÉRIOS DE DECISÃO

INDICAÇÕES DE TRANSFERÊNCIA IMEDIATA

Maternas:

  • PA ≥ 160x110 mmHg ou sinais de pré-eclâmpsia grave
  • Sangramento vaginal ativo (suspeita DPP/placenta prévia)
  • Febre ≥ 38°C
  • Alteração do nível de consciência
  • Convulsões
  • Dor abdominal intensa desproporcional ao trabalho de parto

Fetais:

  • BCF < 110 ou > 160 bpm persistente
  • Mecônio espesso
  • Prolapso de cordão
  • Parada de progressão > 2h em fase ativa

Obstétricas:

  • Apresentação não cefálica
  • Gestação múltipla
  • Cicatriz uterina prévia (cesárea anterior)
  • Desproporção céfalo-pélvica
  • Dilatação < 3 cm com trabalho de parto prolongado (> 20h nulípara, > 14h multípara)
CRITÉRIOS PARA CONDUÇÃO LOCAL

Requisitos simultâneos:

  • Gravidez de termo (37-42 semanas)
  • Apresentação cefálica fletida
  • Gestação única
  • Ausência de comorbidades maternas graves
  • BCF normal
  • Trabalho de parto ativo (≥ 3 cm + contrações regulares)
  • Profissional treinado e kit completo

3. CONDUÇÃO DO TRABALHO DE PARTO

Fase de Dilatação

Monitorização:

  • Sinais vitais maternos: 1/1h
  • BCF: 15/15 min (fase latente), 5/5 min (fase ativa)
  • Dinâmica uterina: contínua
  • Toque vaginal: 2/2h ou se mudança clínica

Medidas gerais:

  • Livre deambulação/posição confortável
  • Hidratação oral (líquidos claros)
  • Suporte emocional contínuo
  • Alívio não farmacológico da dor
  • Esvaziar a bexiga regularmente

Não fazer:

  • Amniotomia de rotina
  • Tricotomia
  • Enema
  • Dieta zero (permitir líquidos claros)
Fase Expulsiva

Início: dilatação completa (10 cm) + puxos expulsivos

Posicionamento:

  • Posição verticalizada ou lateral (preferencial)
  • Evitar decúbito dorsal horizontal

Condução:

  • Puxos espontâneos (não dirigidos)
  • Proteção perineal (mãos em concha)
  • Episiotomia: NÃO ROTINEIRA (apenas se iminência de laceração grave)

4. ASSISTÊNCIA AO PARTO

Momento do Desprendimento
  1. Cabeça fetal:

    • Aguardar rotação externa espontânea
    • Apoiar e controlar velocidade de saída
  2. Ombros:

    • Tração leve para baixo (ombro anterior)
    • Tração leve para cima (ombro posterior)
  3. Restante do corpo:

    • Saída espontânea
Clampeamento do Cordão

Clampeamento tardio (1-3 minutos) em RN vigoroso

  • Colocar RN sobre abdome materno
  • Aguardar parada de pulso no cordão
  • Clampear em 2 pontos e cortar entre eles

5. CUIDADOS INICIAIS COM RECÉM-NASCIDO

Passos Iniciais (Primeiros 30 segundos)

Avaliar:

  • Respiração/choro
  • Tônus muscular
  • Cor

RN VIGOROSO (maioria dos casos):

  • Secar e aquecer
  • Manter em contato pele a pele com a mãe
  • Clampear cordão após 1-3 min
  • NÃO aspirar vias aéreas de rotina

RN NÃO VIGOROSO:

  • Posicionar em decúbito dorsal, pescoço neutro
  • Secar e aquecer
  • Aspirar boca e narinas SE secreção visível
  • Estimular tátil
  • Se não responde: INICIAR VPP
Ventilação com Pressão Positiva (VPP)

Indicações:

  • Apneia/gasping
  • FC < 100 bpm após 30s
  • Cianose central persistente apesar O₂

Técnica:

  • Balão autoinflável + máscara facial
  • 40-60 movimentos/min
  • Reavaliar FC após 30s
Boletim de Apgar (1' e 5')
Sinal 0 1 2
FC Ausente < 100 bpm > 100 bpm
Respiração Ausente Irregular/gasping Regular/choro
Tônus Flácido Flexão leve Movimentos ativos
Irritabilidade Sem resposta Careta Choro vigoroso
Cor Cianose/palidez Extremidades cianóticas Rosado

Interpretação:

  • 8-10: normal
  • 5-7: asfixia leve
  • 3-4: asfixia moderada
  • 0-2: asfixia grave
Medidas Adicionais
  • Credé: NÃO RECOMENDADO (clorexidina 2,5% é alternativa)
  • Vitamina K: 1 mg IM (dose única)
  • Identificação do RN
  • Exame físico sumário

6. DEQUITAÇÃO (3º PERÍODO)

Condução Ativa (RECOMENDADA)

Ocitocina 10 UI IM imediatamente após saída do RN

Tração controlada do cordão:

  • Aguardar sinais de descolamento (3-10 min):
    • Útero globoso e firme
    • Jorro de sangue
    • Cordão alonga
  • Tração gentil do cordão + contrapressão suprapúbica
  • NÃO tracionar se placenta não descolou (risco de inversão uterina)
Inspeção da Placenta
  • Integridade (faces materna e fetal)
  • Membranas completas
  • Vasos íntegros

7. 4º PERÍODO (PRIMEIRAS 2 HORAS PÓS-PARTO)

Monitorização Rigorosa
  • Sinais vitais: 15/15 min (1ª hora), 30/30 min (2ª hora)
  • Sangramento vaginal
  • Tônus uterino (fundo 2 cm abaixo da cicatriz umbilical)
  • Globo de segurança (útero contraído)
Inspeção Perineal
  • Avaliar lacerações
  • Suturar se necessário (ver classificação abaixo)

8. MANEJO DE COMPLICAÇÕES

8.1 HEMORRAGIA PÓS-PARTO (> 500 mL)

Causas (4 T's):

  1. Tônus (atonia uterina - 70%)
  2. Trauma (lacerações)
  3. Tecido (restos placentários)
  4. Trombina (coagulopatia)

Conduta:

1ª LINHA - Atonia Uterina:

  • Massagem uterina vigorosa
  • Ocitocina 10 UI IM (se não fez) ou 20-40 UI em 1000 mL SF 0,9% EV rápido
  • Esvaziar bexiga

2ª LINHA (se não responde):

  • Misoprostol 800 mcg via retal (dose única) OU
  • Metilergometrina 0,2 mg IM (contraindicado se HAS)

Medidas associadas:

  • 2 acessos venosos calibrosos
  • Reposição volêmica (cristaloides)
  • Oxigênio suplementar
  • Compressão bimanual do útero
  • TRANSFERIR se sangramento não controlado

8.2 PRÉ-ECLÂMPSIA/ECLÂMPSIA
Pré-eclâmpsia Grave

Critérios:

  • PA ≥ 160 × 110 mmHg OU
  • PA ≥ 140 × 90 + um dos seguintes:
    • Cefaleia intensa
    • Alterações visuais (escotomas, fotofobia)
    • Dor epigástrica/hipocôndrio direito
    • Hiperreflexia + clônus
    • Plaquetas < 100.000
    • Creatinina > 1,1 mg/dL
    • Transaminases > 2x valor normal

Tratamento:

Sulfato de Magnésio (SEMPRE):

  • Ataque: 6 g (60 mL de MgSO₄ 10%) EV em 15-20 min
  • Manutenção: 2 g/h (20 mL de MgSO₄ 10% + 80 mL SF 0,9% a 50 mL/h)

Monitorizar toxicidade por magnésio:

  • Reflexo patelar (suspender se abolido)
  • FR > 12 irpm
  • Diurese > 25 mL/h

Antídoto: Gluconato de Cálcio 10% - 10 mL EV em 3-5 min

Anti-hipertensivos (se PA ≥ 160x110):

Medicação Dose Observações
Hidralazina 5 mg EV lento Repetir 5-10 mg a cada 20 min (máx 30 mg)
Labetalol 20 mg EV Repetir 40 mg após 10 min, depois 80 mg (máx 300 mg)
Nifedipina 10 mg VO Repetir 10-20 mg a cada 20-30 min

Meta: PA 140-150 / 90-100 mmHg

Eclâmpsia (Convulsão)

Conduta:

  1. Proteger vias aéreas, decúbito lateral esquerdo
  2. O₂ suplementar
  3. Sulfato de Magnésio:
    • 4-6 g EV em 5-10 min
    • Manutenção 2 g/h
  4. Se convulsão persiste: Diazepam 10 mg EV lento
  5. TRANSFERIR URGENTE

8.3 DISTOCIA DE OMBRO

Sinais:

  • Retração da cabeça ("sinal da tartaruga")
  • Falha da rotação externa
  • Falha do desprendimento do ombro anterior

Manobras (sequência ALARME):

  1. Ajudar (chamar ajuda)
  2. Levantar e afastar pernas (McRoberts)
  3. pressão Acima da sínfise púbica (suprapúbica)
  4. Rotação interna (Wood/Rubin)
  5. Manobras de remoção do braço posterior
  6. Episiotomia (se necessário)

TRANSFERIR se não resolve


8.4 RETENÇÃO PLACENTÁRIA (> 30 min)

Conduta:

  1. Esvaziar bexiga
  2. Tração controlada do cordão (NÃO forçar)
  3. Ocitocina 20 UI em 500 mL SF 0,9% EV
  4. Se > 60 min ou sangramento importante: TRANSFERIR

9. LACERAÇÕES PERINEAIS

Classificação
Grau Estruturas Conduta
I Pele e mucosa vaginal Sutura opcional (se sangra ativamente)
II + Musculatura perineal Sutura (fio absorvível 2-0)
III + Esfíncter anal TRANSFERIR
IV + Mucosa retal TRANSFERIR

10. MEDICAÇÕES - PRESCRIÇÕES PRÁTICAS

10.1 Pré-Eclâmpsia/Eclâmpsia

SULFATO DE MAGNÉSIO 10%

  • Ataque: 6 ampolas (10 mL cada) + 40 mL SF 0,9% = 100 mL total
    • Correr em 15-20 min EV
  • Manutenção: 2 ampolas (20 mL) + 80 mL SF 0,9% = 100 mL
    • Correr a 50 mL/h em BIC (= 2 g/h)

HIDRALAZINA 20 mg/mL

  • 1 ampola (1 mL = 20 mg) + 19 mL de SF 0,9% = 20 mL (1 mg/mL)
  • Fazer 5 mL (5 mg) EV lento a cada 20 min SN
  • Dose máxima: 30 mg

LABETALOL

  • 20 mg EV em 2 min
  • Repetir 40 mg após 10 min
  • Repetir 80 mg após mais 10 min
  • Dose máxima cumulativa: 300 mg
10.2 Hemorragia Pós-Parto

OCITOCINA (Syntocinon®)

  • Profilaxia: 10 UI IM (dose única, imediato pós-parto)
  • Tratamento: 20-40 UI em 1000 mL SF 0,9% EV (correr rápido)

MISOPROSTOL (Cytotec®)

  • 800 mcg (4 comprimidos de 200 mcg) via retal (dose única)

METILERGONOVINA (Ergotrate®)

  • 0,2 mg (1 ampola) IM
  • Contraindicado se HAS
10.3 Analgesia Pós-Parto

DIPIRONA 500 mg

  • 1-2 comprimidos VO 6/6h

PARACETAMOL 500-750 mg

  • 1-2 comprimidos VO 6/6h

CETOPROFENO 100 mg

  • 1 comprimido VO 12/12h (por 3-5 dias)

Se dor intensa: TRAMADOL 50 mg

  • 1 comprimido VO 8/8h (por 3 dias)

11. CRITÉRIOS DE ALTA vs TRANSFERÊNCIA

Manter em Observação (2-6h)
  • Parto normal sem intercorrências
  • Sangramento < 500 mL
  • Sinais vitais estáveis
  • RN em boas condições
Transferir para Hospital

Maternas:

  • Hemorragia não controlada
  • PA não controlada (≥ 160x110)
  • Febre persistente
  • Laceração grau III/IV
  • Retenção placentária > 60 min

Neonatais:

  • Apgar < 7 no 5º min
  • Desconforto respiratório
  • Prematuridade < 37 sem
  • Malformação evidente
  • Necessidade de VPP prolongada

12. CHECKLIST DO KIT DE PARTO

Material Obstétrico
  • Campos estéreis
  • Pinças de Kocher (2)
  • Tesoura reta
  • Porta-agulha
  • Fio absorvível 2-0
  • Luvas estéreis
  • Clamps umbilicais
Medicações
  • Ocitocina 10 UI (3-5 ampolas)
  • Sulfato de Magnésio 10% (10 ampolas)
  • Hidralazina 20 mg
  • Misoprostol 200 mcg
  • Vitamina K 1 mg
  • Dipirona/Paracetamol
Reanimação Neonatal
  • Balão autoinflável + máscaras (RN termo e pré-termo)
  • Aspirador de bulbo
  • Sonda de aspiração 8/10 Fr
  • Estetoscópio neonatal
  • Fonte de O₂
  • Compressas/campos aquecidos
Outros
  • Soluções: SF 0,9%, SG 5%
  • Equipos, seringas, agulhas
  • Gazes, antisséptico
  • Coletor graduado (mensurar sangue)

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES

  1. Na dúvida, TRANSFERIR - Hospital a 1h é tempo aceitável se transporte estável
  2. Comunicação com hospital de referência - Avisar antes de transferir
  3. Registrar tudo - Horários, medicações, volumes, partograma
  4. Capacitação contínua - Treinamento em emergências obstétricas
  5. Seguir protocolos do MS - Este guia complementa, não substitui