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Intoxicação por Benzodiazepínicos

 

Classe toxicológica: Sedativo-hipnótico / Depressor do Sistema Nervoso Central
Nomes comerciais/Outros nomes: Diazepam (Valium®, Compaz®), Clonazepam (Rivotril®), Alprazolam (Frontal®), Lorazepam, Midazolam (Dormonid®), Bromazepam (Lexotan®), Flunitrazepam (Rohypnol®)

Dose tóxica:

  • Adultos: Variável conforme o benzodiazepínico. A intoxicação isolada raramente é fatal, mas doses > 10x a dose terapêutica podem causar sedação profunda
  • Crianças: > 0,3 mg/kg pode causar sedação significativa; > 0,5 mg/kg risco aumentado de depressão respiratória
  • Observações sobre variabilidade individual: A toxicidade é significativamente maior quando há uso concomitante de álcool, opioides ou outros depressores do SNC. Idosos, pacientes com insuficiência hepática/renal e obesos apresentam maior sensibilidade

Quadro clínico:

  • Sinais e sintomas iniciais (primeiras horas):

    • Sonolência progressiva
    • Confusão mental e desorientação
    • Ataxia e incoordenação motora
    • Disartria (fala arrastada)
    • Nistagmo
    • Sedação leve a moderada
    • Hiporreflexia
  • Sinais e sintomas tardios:

    • Depressão do nível de consciência (estupor a coma)
    • Depressão respiratória (bradipneia, hipoventilação)
    • Hipotensão (mais comum em intoxicação mista)
    • Bradicardia (mais comum em intoxicação mista)
    • Hipotermia
    • Raramente: coma profundo (quando isolado)
  • Achados ao exame físico:

    • Rebaixamento do nível de consciência
    • Pupilas reativas (normais ou discretamente mióticas)
    • Ausência ou diminuição de movimentos oculares
    • Hiporreflexia generalizada
    • Depressão respiratória (FR < 12 irpm)
    • Hipotensão arterial (PA sistólica < 90 mmHg)
    • Bradicardia (FC < 60 bpm)

Exames complementares indicados:

  • Glicemia capilar (descartar hipoglicemia)
  • Gasometria arterial (avaliar status respiratório e acidose)
  • Eletrólitos (sódio, potássio, cálcio, cloro)
  • Função renal (ureia, creatinina)
  • Função hepática (TGO, TGP, bilirrubinas)
  • Eletrocardiograma (avaliar arritmias, especialmente se intoxicação mista)
  • Raio-X de tórax (se suspeita de broncoaspiração)
  • Tomografia de crânio (se trauma associado ou suspeita de causa estrutural do coma)
  • Dosagem sérica de benzodiazepínicos (quando disponível, pouco valor prático no manejo agudo)
  • Triagem toxicológica urinária (identificar intoxicação mista)

Critérios de internação:

  • Rebaixamento do nível de consciência (Glasgow < 13)
  • Depressão respiratória (FR < 12 irpm, SpO₂ < 90%, hipercapnia)
  • Instabilidade hemodinâmica (hipotensão refratária)
  • Necessidade de suporte ventilatório
  • Intoxicação mista (benzodiazepínicos + álcool/opioides/outros depressores)
  • Tentativa de autoextermínio
  • Impossibilidade de observação domiciliar adequada
  • Critérios para UTI:
    • Glasgow ≤ 8 ou necessidade de via aérea definitiva
    • Depressão respiratória grave (necessidade de ventilação mecânica)
    • Instabilidade hemodinâmica necessitando de vasopressores

Tratamento:

  • Medidas gerais:

    • Estabilização inicial (ABC - via aérea, respiração, circulação)
    • Monitorização contínua (ECG, oximetria, PA, FR, temperatura)
    • Oxigenoterapia suplementar conforme necessidade
    • Acesso venoso calibroso
    • Proteção de via aérea se Glasgow ≤ 8
    • Ventilação assistida se depressão respiratória grave (considerar intubação orotraqueal)
    • Posicionamento adequado (decúbito lateral - prevenir broncoaspiração)
    • Ressuscitação volêmica se hipotensão (SF 0,9% 500-1000 mL)
    • Vasopressores se hipotensão refratária (noradrenalina 0,05-0,5 mcg/kg/min)
    • Aquecimento passivo se hipotermia
    • Descontaminação: Carvão ativado 1 g/kg (máx. 50g) VO/SNG se ingestão < 1-2 horas e paciente consciente/via aérea protegida. Lavagem gástrica geralmente não indicada (baixo benefício/alto risco)
  • Antídoto/Tratamento específico:

    • Nome: Flumazenil (Lanexat®)
    • Apresentação: Ampolas de 0,5 mg/5 mL (0,1 mg/mL) e 1 mg/10 mL (0,1 mg/mL)
    • Indicações:
      • Depressão respiratória significativa (FR < 10 irpm)
      • Rebaixamento grave do nível de consciência (Glasgow ≤ 8) por benzodiazepínicos
      • Intoxicação confirmada por benzodiazepínicos sem contraindicações
    • Dose e administração:
      • Adultos:
        • Dose inicial: 0,2-0,3 mg EV em 15-30 segundos
        • Repetir: 0,1-0,2 mg EV a cada 1-2 minutos até reversão ou dose máxima
        • Dose máxima: 2-3 mg (total)
        • Se não houver resposta com 2-3 mg em 5-10 minutos, considerar outra causa
      • Crianças:
        • Dose inicial: 0,01 mg/kg EV (máx. 0,2 mg) em 15-30 segundos
        • Repetir: 0,01 mg/kg (máx. 0,2 mg) a cada 1 minuto até reversão
        • Dose máxima: 1 mg (total) ou 0,05 mg/kg
    • Diluição: Pode ser administrado puro ou diluído em SF 0,9% ou SG 5% (facilita administração lenta)
    • Prescrição prática:
      • Flumazenil 0,5 mg/5 mL – Administrar 0,2-0,3 mg (2-3 mL) EV lento em 15-30 segundos, dose inicial
      • Se necessário, repetir 0,1-0,2 mg (1-2 mL) EV a cada 1-2 minutos até reversão completa ou dose máxima de 2-3 mg
      • Infusão contínua (se ressedação): Flumazenil 5 ampolas (2,5 mg) + SF 0,9% 250 mL = 10 mcg/mL, infundir 0,1-0,4 mg/h (10-40 mL/h)
    • Efeitos adversos do antídoto:
      • Náuseas e vômitos
      • Tontura
      • Agitação e ansiedade
      • Tremores
      • Sudorese
      • Taquicardia e palpitações
      • Crises convulsivas (em pacientes predispostos)
      • Síndrome de abstinência (em usuários crônicos)
      • Ressedação (efeito mais curto que os benzodiazepínicos - meia-vida 40-80 min)
    • Contraindicações:
      • ABSOLUTAS:
        • Uso crônico de benzodiazepínicos (risco de síndrome de abstinência grave e convulsões)
        • Intoxicação concomitante com antidepressivos tricíclicos (risco de convulsões e arritmias)
        • História de epilepsia ou convulsões
        • Intoxicação mista com pró-convulsivantes (cocaína, anfetaminas, aminofilina, teofilina)
        • Hipersensibilidade ao flumazenil
        • Dependência física de benzodiazepínicos
      • RELATIVAS:
        • Hipertensão intracraniana
        • Traumatismo cranioencefálico grave
        • Intoxicação mista com outras substâncias
        • Pacientes em tratamento de estado epiléptico com benzodiazepínicos
  • Tratamento de suporte:

    • Manutenção de sinais vitais estáveis
    • Hidratação venosa adequada
    • Correção de distúrbios hidroeletrolíticos
    • Suporte ventilatório se necessário (considerar ventilação não invasiva ou IOT)
    • Monitorização rigorosa por ressedação (efeito do flumazenil é mais curto que dos benzodiazepínicos)
    • Considerar infusão contínua de flumazenil se ressedação recorrente
    • Avaliação psiquiátrica em casos de tentativa de autoextermínio
    • Suporte psicológico

Tempo de observação:

  • Intoxicação leve (consciente, sem depressão respiratória): Mínimo 4-6 horas
  • Intoxicação moderada (sedação importante, mas sem depressão respiratória): Mínimo 12-24 horas
  • Intoxicação grave ou uso de flumazenil: Mínimo 24-48 horas (risco de ressedação)
  • Benzodiazepínicos de longa duração (diazepam, clonazepam, flurazepam): Prolongar observação para 24-72 horas
  • Intoxicação mista: Tempo ditado pela substância mais tóxica
  • Condições que prolongam observação:
    • Uso de benzodiazepínicos de meia-vida longa
    • Ressedação após uso de flumazenil
    • Depressão respiratória recorrente
    • Instabilidade hemodinâmica
    • Tentativa de autoextermínio (manter até avaliação psiquiátrica)
    • Impossibilidade de observação domiciliar adequada

Critérios de alta:

  • Paciente alerta, orientado e deambulando sem ataxia
  • Glasgow 15 por pelo menos 4-6 horas sem nova sedação
  • Função respiratória normal (FR > 12 irpm, SpO₂ > 94% em ar ambiente)
  • Sinais vitais estáveis sem suporte por pelo menos 6 horas
  • Ausência de depressão respiratória
  • Ausência de complicações (broncoaspiração, trauma)
  • Avaliação psiquiátrica completa (se tentativa de autoextermínio)
  • Garantia de acompanhamento domiciliar adequado
  • Orientações pós-alta:
    • Evitar dirigir ou operar máquinas por 24-48 horas
    • Acompanhamento ambulatorial (clínico e psiquiátrico se aplicável)
    • Orientação sobre riscos da intoxicação e prevenção
    • Retornar imediatamente se ressedação, dificuldade respiratória ou alteração do nível de consciência

Observações importantes:

  • Particularidades do manejo:

    • A intoxicação isolada por benzodiazepínicos raramente é fatal
    • O maior risco ocorre em intoxicação mista (álcool + benzodiazepínicos ou opioides + benzodiazepínicos)
    • O uso rotineiro de flumazenil NÃO é recomendado devido ao risco de convulsões e síndrome de abstinência
    • Flumazenil deve ser reservado para casos graves com depressão respiratória ou coma profundo
    • A ressedação após flumazenil é comum (meia-vida do flumazenil: 40-80 min vs meia-vida dos benzodiazepínicos: até 100 horas)
    • NUNCA usar flumazenil sem descartar intoxicação concomitante com antidepressivos tricíclicos ou pró-convulsivantes
  • Prognóstico:

    • Excelente quando intoxicação isolada e tratamento adequado
    • Recuperação completa esperada em 24-48 horas na maioria dos casos
    • Mortalidade < 1% em intoxicação isolada
    • Mortalidade significativamente maior em intoxicação mista (até 10-15%)
  • Complicações tardias a monitorar:

    • Broncoaspiração e pneumonia aspirativa
    • Rabdomiólise (se coma prolongado)
    • Lesões por pressão (se imobilização prolongada)
    • Síndrome de abstinência (em usuários crônicos após alta)
  • Interações relevantes:

    • Álcool: potencializa significativamente a depressão do SNC
    • Opioides: sinergismo para depressão respiratória (MUITO PERIGOSO)
    • Antidepressivos tricíclicos: risco de convulsões com flumazenil
    • Barbitúricos: potencialização da sedação
    • Anti-histamínicos: aumento da sedação
  • Ajustes em populações especiais:

    • Gestantes: Flumazenil categoria C - usar apenas se benefício justificar risco. Benzodiazepínicos podem causar síndrome do "bebê flácido" e síndrome de abstinência neonatal
    • Idosos: Maior sensibilidade aos efeitos sedativos; doses menores de flumazenil; prolongar observação
    • Insuficiência renal: Ajustar doses se necessário suporte medicamentoso; flumazenil pode ser usado (metabolização hepática)
    • Insuficiência hepática: Metabolização reduzida dos benzodiazepínicos - efeito prolongado; flumazenil deve ser usado com cautela (também metabolização hepática); prolongar observação
    • Crianças: Mais sensíveis à depressão respiratória; doses ajustadas ao peso; observação prolongada