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Intoxicação por Chumbinho (Aldicarb)

 

Classe toxicológica: Carbamato - Inseticida/praguicida inibidor da acetilcolinesterase

Nomes comerciais/Outros nomes: Temik 150® (banido no Brasil desde 2012), "raticida", "três passos"

Dose tóxica:

  • Adultos: 0,5-1,0 mg/kg (aproximadamente 1 grama pode ser letal para pessoa de 60kg)
  • Crianças: <0,5 mg/kg
  • Observações: Aldicarb é extremamente tóxico - possui a mais elevada toxicidade aguda entre todos os agrotóxicos. A morte pode ocorrer em 30 minutos a 4 horas após ingestão. A gravidade depende da quantidade ingerida, tempo decorrido e início do tratamento.

Quadro clínico:

  • Sinais e sintomas iniciais (primeiras horas):

    • Náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia
    • Sialorréia (salivação excessiva)
    • Sudorese profusa
    • Lacrimejamento excessivo
    • Miose (pupilas puntiformes)
    • Broncorreia e broncoespasmo
    • Bradicardia
    • Cefaleia, tontura
    • Fasciculações musculares
  • Sinais e sintomas tardios:

    • Confusão mental, agitação, delirium
    • Rebaixamento do nível de consciência até coma
    • Insuficiência respiratória (por broncorreia, broncoespasmo e depressão do SNC)
    • Convulsões
    • Hipotensão arterial grave
    • Arritmias cardíacas
    • Paralisia muscular e insuficiência respiratória
    • Edema agudo de pulmão
  • Achados ao exame físico:

    • Síndrome colinérgica (DUMBBELS): Diarreia, Urination (micção), Miose, Broncoespasmo/Broncorreia/Bradicardia, Emesis (vômitos), Lacrimejamento, Salivação
    • Fasciculações musculares generalizadas
    • Fraqueza muscular progressiva
    • Hiperreflexia ou hiporreflexia (estágios avançados)
    • Insuficiência respiratória com crepitações/sibilos difusos

Exames complementares indicados:

  • Hemograma completo
  • Gasometria arterial (avaliar hipoxemia e acidose)
  • Eletrólitos (Na, K, Ca, Mg)
  • Ureia e creatinina
  • Glicemia
  • Enzimas hepáticas (TGO, TGP)
  • Amilase e lipase
  • Radiografia de tórax (avaliar edema pulmonar, broncoaspiração)
  • ECG (avaliar bradicardia, arritmias, prolongamento QT)
  • Dosagem de colinesterase plasmática e eritrocitária (quando disponível - redução >50% sugere intoxicação, mas não é necessária para iniciar tratamento)
  • Timing: Exames na admissão e controles seriados a cada 6-12h conforme gravidade

Critérios de internação:

  • Qualquer paciente sintomático após exposição a chumbinho
  • Ingestão intencional (independente da dose relatada)
  • Presença de sintomas colinérgicos
  • Rebaixamento do nível de consciência
  • Insuficiência respiratória ou sinais de broncoespasmo/broncorreia significativos
  • Fasciculações musculares
  • Bradicardia sintomática ou arritmias
  • Hipotensão arterial
  • Ingestão há menos de 2 horas (mesmo assintomático - observação obrigatória)

Critérios para UTI:

  • Glasgow <13
  • Insuficiência respiratória (necessidade de IOT/VM)
  • Instabilidade hemodinâmica (hipotensão refratária, bradicardia grave)
  • Convulsões
  • Necessidade de doses repetidas de atropina
  • Fasciculações musculares intensas

Tratamento:

  • Medidas gerais:

    • ABC da reanimação (via aérea, ventilação, circulação)
    • Oxigenoterapia (manter SatO₂ >94%)
    • Monitorização contínua (PA, FC, FR, SatO₂, ECG)
    • Acesso venoso calibroso
    • Aspiração de secreções e posicionamento adequado
    • Proteção de vias aéreas (IOT se Glasgow <8 ou insuficiência respiratória)
    • Hidratação venosa: SF 0,9% ou Ringer Lactato conforme necessidade
    • Descontaminação gastrointestinal:
      • Carvão ativado: 1g/kg (máximo 50g) VO ou por SNG se <1 hora da ingesta e paciente com via aérea protegida
      • Lavagem gástrica: não indicada rotineiramente (risco de broncoaspiração)
    • Remover roupas contaminadas e lavar pele com água e sabão se exposição dérmica
  • Antídoto/Tratamento específico:

    • Nome: Sulfato de Atropina + Pralidoxima (Contrathion®)

    • Apresentação:

      • Atropina: ampola 0,5mg/mL (1mL) ou 0,25mg/mL (1mL)
      • Pralidoxima: ampola 200mg/10mL ou frasco 1g
    • Indicações:

      • Presença de sinais e sintomas colinérgicos (principalmente broncorreia, bradicardia, miose)
      • Início imediato ao diagnóstico, não aguardar resultado de exames
    • Dose e administração:

      ATROPINA (droga de primeira linha):

      • Casos leves/moderados:

        • Adultos: 1-2 mg EV em bolus lento, repetir a cada 5 minutos até atropinização
        • Crianças: 0,02-0,05 mg/kg EV (dose mínima 0,1mg), repetir a cada 5 min
      • Casos graves:

        • Adultos: 2-5 mg EV em bolus lento, repetir a cada 5 minutos até atropinização
        • Crianças: 0,05-0,1 mg/kg EV, repetir a cada 5 min
      • Meta da atropinização: Secagem de secreções brônquicas (ausência de broncorreia), FC >60 bpm, pupilas midriáticas, PA normalizada. NÃO aguardar midríase para continuar doses.

      • Manutenção: Após atropinização, manter com 0,5-1mg EV de 1/1h a 4/4h ou infusão contínua de 0,02-0,08 mg/kg/h

      • Não há dose máxima de atropina - guiar pela resposta clínica

      PRALIDOXIMA (oxima - reativador da colinesterase):

      • Indicação adicional: Casos moderados a graves, principalmente com fasciculações e fraqueza muscular
      • Adultos: 1-2 gramas diluídos em 250mL de SF 0,9% ou SG 5%, EV, em 15-30 minutos
      • Crianças: 25-50 mg/kg (máximo 2g), mesma diluição
      • Repetir: Pode repetir dose a cada 4-6 horas se sintomas persistirem ou em infusão contínua de 250-500mg/h
      • Início: Idealmente nas primeiras 24-48h (melhor eficácia), mas pode ser benéfica até 72h
    • Diluição:

      • Atropina: Pode ser administrada diretamente EV (bolus lento) ou diluída em 10mL de SF 0,9%
      • Pralidoxima: Diluir sempre - 1-2g em 250mL de SF 0,9% ou SG 5%
    • Prescrição prática:

      • Sulfato de Atropina 0,5mg/mL – 02-10 ampolas EV em bolus lento, repetir de 5/5 min até atropinização
      • Pralidoxima 200mg/10mL – 01 frasco (1g) + 250mL SF 0,9%, EV, em 30 min, repetir SN de 4/4h
      • Sulfato de Atropina 0,5mg/mL – 01 ampola EV de 2/2h (ou conforme necessidade) para manutenção
    • Efeitos adversos do antídoto:

      • Atropina: taquicardia, hipertermia, agitação, delirium, retenção urinária, midríase, boca seca, rubor facial (sinais de superdosagem)
      • Pralidoxima: taquicardia, hipertensão transitória, fraqueza muscular (se infusão rápida), tontura, náuseas
    • Contraindicações:

      • Atropina: Hipersensibilidade conhecida (raro), glaucoma de ângulo fechado (relativo em emergências)
      • Pralidoxima: Hipersensibilidade, intoxicação por carbamato puro (controverso - evidências recentes mostram segurança)
      • Nota: Em casos graves, benefícios superam riscos mesmo em contraindicações relativas
  • Tratamento de suporte:

    • Benzodiazepínicos para controle de convulsões: Diazepam 5-10mg EV ou Midazolam 5mg EV
    • Broncodilatadores se broncoespasmo persistente após atropinização
    • Suporte ventilatório (IOT + VM) se insuficiência respiratória
    • Vasopressores se hipotensão refratária: Noradrenalina 0,1-2,0 mcg/kg/min
    • Controle de temperatura (medidas físicas se hipertermia por atropina)
    • Sonda vesical de demora para controle de diurese
    • Profilaxia de úlceras de estresse: Omeprazol 40mg EV 1x/dia
    • Não usar: Aminofilina, morfina, succinilcolina, fenotiazinas, reserpina (potencializam toxicidade)

Tempo de observação:

  • Mínimo de 24 horas para qualquer exposição confirmada ou suspeita
  • Prolongar observação por 48-72 horas se:
    • Ingestão de grande quantidade
    • Sintomas graves na admissão
    • Necessidade de doses repetidas de atropina
    • Fasciculações persistentes
    • Insuficiência respiratória
    • Síndrome intermediária (fraqueza muscular que aparece 24-96h após exposição)
  • Monitorar sinais de recorrência de sintomas colinérgicos

Critérios de alta:

  • Ausência de sintomas colinérgicos por pelo menos 24 horas
  • Ausência de necessidade de atropina há pelo menos 12 horas
  • Gasometria arterial normal
  • Função respiratória normal (SatO₂ >94% em ar ambiente, ausência de broncorreia)
  • Função cardiovascular estável (FC, PA normais)
  • Nível de consciência normal (Glasgow 15)
  • Capacidade de deambular sem fraqueza muscular
  • Ausência de fasciculações
  • Avaliação psiquiátrica realizada se ingestão intencional
  • Alta hospitalar com:
    • Orientações sobre sinais de alerta
    • Encaminhamento para seguimento ambulatorial
    • Encaminhamento psiquiátrico se tentativa de autoextermínio

Observações importantes:

  • Particularidades do manejo:

    • Chumbinho é carbamato (inibição reversível da colinesterase), diferente de organofosforados
    • Início de ação muito rápido (15-30 min) e pico em 1-2 horas
    • Efeito anticolinesterásico persiste por 4-12 horas (reversível)
    • Atropina é essencial e pode ser necessária em doses muito altas
    • Pralidoxima: benefício controverso em carbamatos puros, mas recomendada em casos moderados-graves (intoxicações por "chumbinho" frequentemente contêm misturas)
    • Contatar CIATOX regional para suporte: 0800 722 6001 (nacional)
  • Prognóstico:

    • Depende da dose ingerida, tempo até tratamento e adequação da atropinização
    • Mortalidade de 4-30% em casos graves
    • Recuperação completa esperada se tratamento adequado e precoce
    • Sequelas raras se sobrevida >72h
  • Complicações tardias a monitorar:

    • Síndrome intermediária (24-96h): fraqueza de musculatura respiratória, cervical, proximal de membros - pode necessitar VM
    • Neuropatia tardia (2-3 semanas): rara em carbamatos
    • Pneumonia aspirativa
    • Rabdomiólise
    • Insuficiência renal aguda
  • Interações relevantes:

    • Evitar: bloqueadores neuromusculares despolarizantes (succinilcolina), morfina, fenotiazinas
    • Aminofilina: pode piorar convulsões
    • Betabloqueadores e bloqueadores de canal de cálcio: podem piorar bradicardia
  • Ajustes em populações especiais:

    • Gestantes: Tratamento igual, benefícios superam riscos. Atropina e pralidoxima são seguras. Monitorar vitalidade fetal.
    • Idosos: Maior risco de complicações respiratórias, cardiovasculares e neurológicas. Atenção redobrada com atropinização (risco de delirium).
    • Insuficiência renal/hepática: Ajustar doses de manutenção de atropina conforme resposta clínica. Aldicarb não requer ajuste significativo.
    • Crianças: Mais suscetíveis à toxicidade. Doses por kg de peso. Monitorar temperatura (risco de hipertermia por atropina).